O que tem a ver mulheres, viagem e sustentabilidade? Pode ser que você nunca tenha parado pra pensar sobre os impactos que uma aventura solitária pode ter sobre você e sobre o mundo. Viajar tem um poder de transformação imenso, e muitas vezes não precisamos fazer muito pra isso, é só estar atentos e deixar acontecer.
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Estou viajando nesse assunto há alguns dias. E nessa viagem particular me ocorreu que, quando uma mulher vive a experiência de viajar sozinha, ela não está apenas quebrando os paradigmas sociais do machismo e se permitindo experimentar uma liberdade não julgadora. Ela está sendo facilitadora da promoção da sustentabilidade.
Vem comigo que eu te mostro, por partes.
E se você for mulher e estiver pensando em um dia experimentar os efeitos de uma aventura solitária, reflita em toda a profundidade que puder nesse percurso que eu vou apresentar. Partindo da realidade comum de uma mulher viajando sozinha, te levamos a entender que isso tem a ver com sustentabiliade.
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O número de mulheres que viajam sozinhas tem aumentado bastante, mas ainda não é tão comum se deparar com uma mulher em uma "solo female travel" (é o termo em inglês para esse estilo). Quando converso com outras viajantes que estão planejando uma aventura, a primeira preocupação em todos os fóruns e grupos é a respeito da segurança.
1. Sobre a segurança
Do ponto de vista externo, sim, é um absurdo pensar que nos dias de hoje uma mulher sozinha seja vista como mais vulnerável do que um homem sozinho. Mas as coisas também não são tão graves assim, pelo menos não em todos os lugares. Foram raras as situações em que senti medo por estar sozinha, e talvez eu sentisse medo mesmo que estivesse acompanhada. Então não era o fato de eu ser mulher e estar só, mas o local ou a situação em si.
Só que, para muito além disso, tem o ponto de vista interno, em que a segurança não é algo externo que te ameaça, mas é a sua postura diante de uma situação. Aquilo que te deixa confortável ou, ao contrário, te faz sentir insegura, manifesta medos que podem estar dentro de você. E isso é muito importante. Segurança é quase a energia que a gente exala, e como muita gente diz, pode atrair coisas que nos afetam.
Se eu me sinto insegura ao viajar sozinha pelo Afeganistão, talvez eu devesse escolher a princípio destinos que me deixam mais confortável e menos assustada. Não se jogue logo de cara numa situação extrema se ainda não se sentir pronta para essa experiência. Viajar é um processo de familiarização com o mundo, com realidades que nunca sonhamos antes. Vai chegar um dia em que você se sentirá segura para se permitir aventuras mais desafiadoras quando estiver preparada para elas. Então respeite a evolução do processo.
Ou seja, pode levar um tempo até que a gente mude a realidade da segurança que o mundo nos oferece. Mas no que depender de nós, temos que providenciar e cultivar a nossa própria segurança interna.
2. Sobre a capacidade de desfrutar sozinha
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Em uma sociedade onde a mulher ainda é vista (e ensinada a se ver) como dependente, é difícil entender que ela seja autônoma o suficiente para desfrutar de uma aventura particular. Muitas mulheres argumentam que uma companhia é necessária por uma questão de segurança, mesmo que seja outra mulher. Pode ser verdade, mas...
De que segurança estamos falando? Você, viajante que pensa assim, já parou para refletir sobre a real motivação de querer viajar acompanhada? Você não sente nenhum tipo de insegurança interna que possa estar te induzindo a pensar assim?
Existe também o argumento de que as pessoas sociáveis sentem necessidade de compartilhar momentos especiais com outras pessoas queridas. Entendo e compartilho desse sentimento, mas não é desse tipo de viagem que estou falando:
Quando uma mulher escolhe viajar sozinha, ela faz uma viagem para o seu próprio interior. Independentemente de quais sejam o destino, o estilo de aventura, o tempo ou desafios que ela planeja enfrentar. Quando ela se dispõe a uma jornada solitária, ela vai motivada justamente por compartilhar as histórias consigo própria.
Então, para as mulheres que sonham em começar a viajar sozinhas mas se prendem nessa questão, eu proponho duas reflexões:
Reveja se a necessidade de compartilhar o momento é realmente a motivação para se ter uma companhia, ou se isso não é o medo tentando te enganar com uma justificativa aparentemente plausível. Ele prega peças.
Permita-se experimentar. Talvez seja difícil conceber a ideia de desfrutar de uma aventura sozinha só porque você ainda não experimentou a sensação. Faça um test drive e descubra-se. E não se julgue se confirmar sua impressão. Pode acontecer.
3. Como uma jornada solitária muda a percepção feminina do mundo?
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Quando uma mulher determina onde, quando, por quanto tempo, o quê e porquê, ela está fazendo algo que provavelmente não está acostumada a fazer: colocar a si mesma, seus desejos e aspirações em primeiro e único plano.
As mulheres da nossa geração ainda estão aprendendo a se ouvir antes de ouvir aos outros. Escutar a nossa própria voz e a de ninguém mais pode soar estranho aos nossos ouvidos, falo por mim. Decidir o que eu, e somente eu quero fazer, sem me submeter ao julgamento de ninguém é libertador. É tão libertador que eu me sinto nua, como se estivesse faltando a minha armadura da dependência. A armadura que supostamente me protege, mas na verdade o que ela faz é restringir meus movimentos.
Você já se permitiu a experiência da liberdade genuína, longe dos olhos de qualquer um que pudesse te julgar? Essa liberdade que te faz sentir nua e despudorada só por viver? Se não, você precisa viajar sozinha e experimentar ao menos uma vez.
E quando eu digo sozinha, desacompanhada, estou falando da necessidade contínua de satisfazer as expectativas das redes sociais também. Viva essa experiência só por você. Só. Por. Você.
4. Como solo female travel ajuda a promover a sustentabilidade
Não só de inspiração vive um blog de sustentabilidade, mas pesquisa consistente também.
Não pense que o conteúdo desse blog se trata apenas de percepções pessoais sobre viagens. As minhas experiências pessoais inspiram o blog, mas o conteúdo é resultado de muita pesquisa. Por exemplo, o que eu vou apresentar nesse tópico é resultado de uma investigação de como a igualdade de gênero compõe o pilar sociocultural da sustentabilidade.
Como a desigualdade social fere a sustentabilidade?
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Qualquer forma de desigualdade social e discriminação resulta na segregação e exploração de uma minoria, colocando as pessoas mais vulneráveis em maior risco de sofrerem as piores consequências da crise climática, por exemplo (Veja este artigo da ONU sobre desigualdade e crise climática). Assim, a promoção de uma sociedade mais igualitária e com justo acesso à educação, serviços de saúde e renda pode reduzir os efeitos adversos das mudanças ambientais sobre os mais vulneráveis.
Qualquer forma de desigualdade social e discriminação resulta na exploração de uma classe oprimida, e nenhuma forma de exploração cabe nos princípios de um sistema sustentável. Se há uma classe que explora os recursos (ambientais, humanos e econômicos) acima da média, então há um grupo oprimido desfrutando dos recursos abaixo da média, gerando um desequilíbrio que fere o princípio básico da sustentabilidade: capacidade de se sustentar. Um tripé não se sustenta com um pé quebrado, assim como os três pilares do desenvolvimento sustentável precisam estar equilibrados para que o sistema se mantenha.
E como mulheres que viajam sozinhas quebram o ciclo da desigualdade?
Mulheres que viajam sozinhas são exemplos de força, liberdade, capacidade e quebra de paradigmas. Elas enfrentam o obstáculo da insegurança que é colocado na nossa frente como impedimento de se aventurar. "Mas você vai viajar SOZINHA?"
Por isso, elas são agentes da transformação da imagem e da mentalidade de fragilidade e dependência atribuídas a nós.
Mulheres que viajam sozinhas estão quebrando seus próprios paradigmas. O efeito libertador que uma viagem solitária tem sobre elas não é o mesmo efeito sobre os demais. Aprender a digerir e acolher dentro do si os efeitos de uma aventura solitária quebram muitas correntes imaginárias.
Mulheres que viajam sozinhas são capazes de ver o que os olhos comuns não podem enxergar. É possível que, depois de ter a visão lavada pela liberdade, ela tenha um olhar de compaixão* e empatia por outros grupos que ainda seguem subjugados pelo sistema. Seu olhar é diferente do olhar do opressor e também diferente do olhar do oprimido. Seu olhar é o olhar transformador.
*Compaixão não quer dizer pena. É uma forma mais intensa de empatia. "Com + paixão" significa "sofrer junto". Só quem consegue atingir esse nível de compreensão é capaz de entender a profundidade da transformação necessária.
Dessa forma, mulheres que viajam sozinhas são a vanguarda da transformação. Só quem realmente entende o que é estar preso ao sistema, e ao mesmo tempo sabe o que é estar acima dele, consegue ver o que é preciso ser feito.
E quando eu digo isso, você pode ver um exemplo do que eu estou falando no post sobre os 5 perfis no instagram para aprender hábitos responsáveis, onde (coincidentemente) apresento 5 mulheres que são influenciadoras e exemplos de atitude para a transformação.
Então, se você for mulher e viajante (aspirantes também são exploradoras), não deixe de refletir sobre o que uma aventura pessoal representa para você e para o mundo. O seu papel é grande, e exercer a sua liberdade é uma das coisas mais importantes para construir um mundo melhor, mais justo e equilibrado. Boa jornada.
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