Como as mudanças climáticas do passado tornaram os humanos sociais
- Sabrina Simon
- 9 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Não, não foi obrigando a gente a se agregar pra suportar o frio.

A humanidade tem perdido a capacidade de se perceber como elemento integrante da natureza, haja vista a forma inconsequente como temos explorado seus recursos, como se não fôssemos sofrer os efeitos desse abuso. Mas nós somos sim resultado dos processos naturais, mais do que imaginamos ou gostaríamos de admitir, e um exemplo clássico disso é a nossa própria evolução diante do ambiente.
Tudo começou há mais ou menos 55 milhões de anos atrás (entre 50 e 60, dependendo da fonte), quando já não existiam dinossauros sobre a Terra, e na ausência deles, os mamíferos começaram a se diversificar e se tornar topo de cadeia. A partir de um grupo de mamíferos insetívoros surgiu a linhagem dos primatas, inicialmente arborícolas, e portanto, habitantes de florestas.

Como sabemos que nossos primeiros ancestrais primatas era escaladores de árvores? Pelas adaptações físicas, que são ajustes decorrentes da relação de uma espécie com o seu ambiente: 5 dedos; o polegar e o hálux (o dedão do pé) separados dos outros dedos, o que facilita agarrar galhos; braços longos; e detalhes no crânio, na coluna e na pélvis (a bacia), características de animais muito adaptados a essa forma de locomoção.
O problema é que isso aconteceu na Era Cenozoica, esta que estamos vivendo hoje, marcada por muitas oscilações climáticas. Você já deve ter ouvido falar que não é a primeira vez que a Terra passa por um efeito estufa, e isso é verdade (mas discutiremos isso outra hora). A questão é que uma grande glaciação se fez, e com o clima seco e frio, a maioria das florestas do planeta se transformaram em savanas com poucas árvores e muito espaço aberto. Nesse tipo de ambiente, ter uma locomoção eficiente de uma árvore pra outra não é lá uma grande vantagem, pois as árvores são muito esparsas. Então, nossos ancestrais tiveram que aprender a se locomover de outra forma: pelo chão.

Tudo o que aconteceu com a gente depois disso foi consequência dessa mudança de ambiente. Agora, os indivíduos com melhor habilidade de andar e correr sobre dois pés em um espaço aberto tinham maiores chances de sobrevivência e reprodução, e aos poucos essa característica começou a se espalhar nas populações dos nossos ancestrais. Deu-se o surgimento do bipedalismo: um processo lento e gradual da transição do hábito arborícola para a locomoção bípede.
Os bípedes possuem uma estrutura esquelética muito diferente dos quadrúpedes, e uma delas é a pélvis mais larga. Mesmo comparado com os nossos irmãos chimpanzés, a nossa bacia é muito mais larga do que a deles. E tinha mais uma coisa acontecendo nesse meio tempo: o tamanho do nosso crânio começou a aumentar, e com ele nosso cérebro. E com eles, a nossa capacidade cognitiva, o que nos deu uma enorme vantagem sobre diversas coisas. Então, nossos ancestrais das savanas eram seres cabeçudos e que andavam sobre dois pés.
Mas essas adaptações começaram a gerar um problema muito grave para a nossa espécie: o parto se tornou cada vez mais difícil, pois parir seres cabeçudinhos e de pélvis larga é algo extremamente doloroso e potencialmente mortal! E mesmo que a bacia pélvica da mãe também seja larga, não significa que a abertura necessária para o parto seja igualmente fácil. Não é. De fato, o parto mais doloroso que existe, comparado com todas as outras espécies, é o nosso.

Então nos encontramos num impasse: de que adianta uma locomoção eficiente e uma cognição altamente avançada se isso compromete tão gravemente a perpetuação da espécie? Mas a natureza encontrou um jeito. Um estudo realizado (consulte a forte no final do texto) buscou entender a relação entre o tempo de gestação dos animais e o tamanho do cérebro. Um cabeção como o nosso, com este cérebro altamente desenvolvido, precisaria de pelo menos 18 meses de gestação para se formar por completo.
O QUÊ???
Isso mesmo! Nosso tempo de gestação é exatamente a metade do que deveria ser. Quer dizer que nossos bebês nascem prematuros e totalmente dependentes dos pais, e seu desenvolvimento só se completa quando ele já tem 9 meses de idade (contando 18 meses desde a concepção).
Assim, é possível que, naquele tempo, as fêmeas que tinham partos prematuros sofriam menos e tinham mais chances de sobrevivência, por isso essa característica aos poucos foi se tornando comum nas populações. Mas, pra isso ser de fato uma vantagem, as mães (e os pais) precisavam se dedicar ao cuidado parental, ou seja, garantir que a prole completaria seu desenvolvimento. Paleoantropólogos sugerem que este foi um dos fatores que contribuiu para o surgimento de laços sociais entre machos e fêmeas, e entre grupos de indivíduos: a fragilidade da prole.

Tudo isso por causa do fim das florestas, que obrigou nossos ancestrais a se adaptarem às savanas, abandonar as árvores e aprender a correr em espaço aberto. Corpos diferentes provocaram partos prematuros, e bebês frágeis foram os responsáveis pelo caráter social que acompanhou as espécies ancestrais ate à nossa. E tudo por causa das mudanças climáticas do Pleistoceno. O ambiente molda os organismos, e os organismos interferem sobre o ambiente, e mais uma vez Darwin estava certo, só pra variar.
(Este texto tem por base a seção 18.7 do Livro 'Evolução', de Mark Ridley, 2008).
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